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Vista da orla mediterrânea de Alexandria a partir da Citadela.
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O
Cairo é a maior cidade da África, com sua população em torno de 20 milhões de
habitantes, algo como a Grande São Paulo. Antes mesmo de partir da
tranquilidade do camping em Ras Mohammed, no Sinai, muitas foram as pessoas que
disseram: nossa, você vai para o Cairo, boa sorte! Só quando se chega à cidade
é que se tem noção do quanto essa frase é correta. A megacidade egípcia é
realmente caótica, especialmente o trânsito, completamente alucinante, com um
buzinaço que parece não ter fim. Além disso, algumas áreas da cidade estão em
tal situação de ruínas que parece mais com áreas bombardeadas.
Claro
que para quem está acostumado ao caos urbano das grandes cidades brasileiras o
Cairo não é nada assustador, especialmente porque não se tem os mesmos problemas
de criminalidade e violência descontroladas com as quais convivemos no Brasil. Nesse
sentido, a sensação de segurança na capital egípcia é relativamente boa. Apenas
o assédio ao turista que é muito ostensivo. Obviamente que essa cidade, pela
sua história, guarda os tesouros de uma das civilizações mais antigas do globo,
a começar pelo complexo de Giza, onde ficam as pirâmides mais conhecidas, as de
Quéops, Quéfren e Miquerinos.
Um dos aspectos que chamou a atenção foi o fato
desse sítio arqueológico de extremo valor estar em péssimas condições de
conservação. Após os portões de entrada a multidão de visitantes não possui
quase nenhum controle durante a visitação, podendo-se inclusive subir nas
ruínas das pirâmides. Além disso, existe uma verdadeira tropa de camelos e
cavalos, que estão sempre ao redor dos monumentos, sendo ofertados de forma
insistente aos visitantes. Obviamente que isso incomoda, mas não é suficiente
para retirar a magnitude do momento. Basta que para isso você saiba duas
palavrinhas em árabe: La suhkraan !
Na cidade do Cairo existem excelentes locais
para visitação, como o mercado Khan Al Kalili, que fica numa área com presença
muito forte de mesquitas, onde se encontra uma diversidade enorme de produtos
típicos egípcios, além de restaurantes onde se pode tomar um autêntico café da
manhã com panquecas egípcias ao mel. Uma outra opção é o Museu do Cairo, onde
estão expostas grande parte do acervo arqueológico do Egito, com destaque para
os sarcófagos dos faraós. Nesse museu também se percebe que essas peças não
possuem o cuidado que merecem, com algumas delas armazenadas sem as medidas de
preservação necessárias. Uma das peças mais valiosas da coleção, a máscara
funerária de Tutancâmon, sofreu um acidente e foi restaurada recentemente.
Uma das melhores formas de se aproveitar a
visita ao Cairo é explorar sua rica e diversa culinária, que pode ser mais
autêntica e tradicional, como o famoso restaurante com apenas uma opção de
prato, o Abou Tarek, até um excelente restaurante libanês nas margens do Rio
Nilo, o Taboon Libanese. Na área central da cidade também existem diversas
casas onde se pode tomar chá, saborear os doces egípcios especiais, e para
aqueles que gostam, fumar a shisha, uma mistura de tabaco com outras ervas
aromáticas.
Uma outra recomendação é que estrangeiros devem
evitar falar de política no Cairo, uma vez que o país vive sob uma ditadura
militar disfarçada de regime presidencialista, que chegou ao poder depois de
derrubar o presidente eleito após a primavera árabe no Egito em 2015. Espero
abordar esse assunto no próximo artigo. Por hora, o que senti é que o país está
realmente dividido, inclusive no Sinai, onde ouvi muitas críticas ao atual
governante, o general Sissi, e até mesmo alguma saudade do tempo em que o Sinai
era ocupado por Israel.
O sentimento que tive é que existe uma
tentativa de mascarar a dura realidade da maioria dos moradores do Cairo,
mediante propaganda maciça de um Cairo e de um Egito que só existem nos
luminosos outdoors espalhados pelas
principais avenidas da cidade, que tentam passar a ideia de um país e de uma
cidade que não existem de fato. O que percebi é que na propaganda egípcia
observa-se o mesmo fenômeno que no Brasil, atores brancos e loiros, sendo
utilizados como tipos idealizados para vender seus produtos a uma população
morena e até mesmo negra.
Isso está mais presente nas propagandas da Nova
Capital, a New Cairo, a megacidade para 5 milhões de habitantes que está sendo
construída no meio do deserto para ser a nova capital administrativa do Egito,
uma megaobra de mais de 100 bilhões de dólares, com financiamento chinês, cuja
construtora responsável pertence ao Exército egípcio. Essa é uma das marcas da
economia egípcia, cerca de 30% do PIB do país são controlados pelo exército,
que possui empresas que vão de padarias e hotéis, até construtoras. Isso
explica tamanho poder e controle dos militares sobre a vida nacional do Egito.
Durante a estadia no Cairo foi possível fazer
uma visita de um dia a Alexandria, no Mediterrâneo, uma cidade muito
interessante, especialmente sua história riquíssima, com presença grega e
romana, o que a torna uma cidade mais ocidental. Ao final, uma estadia de
quatro dias no Cairo se revelou curta, porque à medida que se ambienta na
cidade você começa a perceber que existem muito mais tesouros a serem
descobertos, e que essa cidade merece ser revisitada, até mesmo como ponto de
partida para explorar o Alto Nilo, com suas incríveis cidades da era dos
Faraós, como a espetacular Luxor.
1 Não, obrigado!
Beer
Sheva/Israel (ponto azul), a Península do Sinai, entre os Golfos de Aqba e Suez,
no Mar Vermelho e o Cairo, no Delta do Nilo
Ruinas
das pirâmades com a cidade de Giza ao fundo.
Camelos
e cavalos presentes na área do complexo de Giza.
Rua
do Mercado Khan Al Kalili, vista a partir de um café.
Visita
ao Museu do Cairo: Jovino, Alison Higgins, Patrícia e Jürgen Baumann.
Vista
da orla mediterrânea de Alexandria a partir da Citadela.
Jovino Pereira da Fonseca Neto é
Engenheiro Agrônomo (UFV), Bacharel em Relações Internacionais (UFBA). Possui
mestrado em Segurança Internacional e Estudos da Paz pela Faculdade de Economia
da Universidade de Coimbra/Portugal. Ocupou o cargo público de Fiscal Federal
Agropecuário do Ministério da Agricultura em 2002/2003 e desde 2003 é Perito
Criminal da Polícia Federal.