quarta-feira, 26 de setembro de 2018

JOVINO PEREIRA E AS SEIS DÉCADAS DE GOVERNOS MILITARES NO EGITO


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O marechal Al Sisi, como civil, passa em revista as tropas na cidade de Suez. AP

AS SEIS DÉCADAS DE GOVERNOS MILITARES NO EGITO
Este artigo vai encerrar a série sobre o Egito que escrevi para o blog Tribuna Mineira, depois de uma visita entre março e abril deste ano ao Oriente Médio. No primeiro artigo havia relatado que a chegada ao Egito, via Taba, na Península do Sinai, ocorreu no dia 28 de março, um dia após a eleição presidencial de 2018. O que mais chamou a atenção foi o fato de que havia propaganda de um único candidato, o General Abdoul Fatah Al Sissi, atual presidente. Alguns dias depois, no Cairo, fui me inteirar mais sobre a situação política no país. Até mesmo porque, ainda no Sinai, ouvi críticas ao governo atual, que chegou ao poder em 2013, após a destituição do presidente eleito em 2012, Mohamed Morsi, depois da “primavera árabe” no Egito.
Esse ponto é crucial para entender a atual política egípcia, que viveu momentos de grandes manifestações populares, que culminou com a eleição presidencial, depois de seis décadas de ditadura militar, iniciada com Abdel Nasser, depois Anwar El Sadat e Osni Mubarak, este último com mais de 30 anos de regime autocrático. Existiam esperanças de mudanças com a escolha de um presidente em eleições consideradas democráticas em 2012, principalmente por ser o eleito de uma corrente política com forte influência popular e nacionalista, a Irmandade Mulçumana. Talvez esse ponto seja o mais indesejável em um governo no Oriente Médio para a estratégia de controle político norte-americano. Em que pese seus erros e suas fraquezas, principalmente o fundamentalismo religioso muçulmano, a Irmandade poderia ser algo melhor que um governo totalmente controlado pelos militares.
A vida política do Egito está fortemente ligada ao poder dos militares, principalmente após a derrubada da monarquia de fachada apoiada pelos britânicos, e a chegada ao poder do General Gamal Abdel Nasser, em 1956, inaugurando um governo fortemente nacionalista, desenvolvimentista e independentista, que pregava a união dos povos árabes contra a dominação ocidental. Após sua morte prematura em 1970, Nasser foi substituído por outro General, Anwar El Sadat, este com uma política oposta à de Nasser, francamente alinhado com os Estados Unidos e em ruptura com a União Soviética. Após o assassinato de El Sadat, em 1981, assumiu a presidência outro militar, o Brigadeiro Osni Mubarak, que governou o Egito com mãos de ferro por mais de 30
anos, até ser deposto em 2011. Após a deposição de Mubarak o Egito viveu um efêmero período democrático, com a eleição em 2012 de Mohamed Morsi, logo deposto em 2013 pelos militares, que colocaram em seu lugar o General Al Sissi.
Esse Estado-Militar gerou uma situação bastante esdrúxula, o controle de 1/3 da economia do país pelo exército, com empresas que vão de padarias a construtoras, criando uma espécie de casta militar que domina a economia e a política, provocando uma profunda perda de direitos civis e o aprofundamento da diferenças sociais, gravíssimas no país. O Egito é o terceiro país mais populoso da África, com quase 100 milhões de habitantes, grande parte com fortes restrições alimentares, de saúde, habitação, educação, acesso à água e energia. Politicamente, a percepção é de que o povo vive extremamente vigiado e coagido pelas forças de repressão, formadas pelas Forças Armadas, Polícias e em alguns casos milícias governistas. Está proibida qualquer manifestação contra o governo e os principais líderes da Irmandade Muçulmana e de outros partidos de oposição estão presos e condenados por crimes políticos.
Além disso, o Egito continua sendo peça fundamental na estratégia geopolítica de imposição americana no Oriente Médio, atuando como um Estado títere, muito distante do sonho Pan-árabe de Nasser. Os militares egípcios estão profundamente envolvidos com o pentágono, principalmente pela dependência do vultoso repasse de mais de 1 bilhão de dólares anuais em equipamentos militares. Historicamente submisso aos interesses das potências ocidentais, o Egito não se afirmou como nação independente, capaz de utilizar suas riquezas naturais, históricas e culturais, em benefício de seu povo. Ao contrário, sofre grandes privações, materiais e sociais, decorrentes de governos militares extremamente corruptos e concentradores de renda.
Em certa medida Mubarak também caiu porque seu filho e sucessor, Gamal Mubarak, articulava com capitalistas externos, principalmente chineses, com o intuito de substituir o controle de parte tão significativa da economia pelos militares, por um controle de mercado e até mesmo por controle estatal clássico. Os militares então se aproveitaram do caos instalado pela primavera árabe e deram o empurrão que o moribundo governo de Mubarak precisava para cair. Ao chegar ao poder via eleições, a Irmandade Mulçumana, através de seu presidente eleito, Mohamed Morsi, implantou um governo com forte inclinação para o fundamentalismo religioso muçulmano,
aumentando as tensões entre os grupos sunitas e xiitas, assim como contra os cristãos coptas e outras religiões. Isso facilitou muito a campanha de desgaste do governo em âmbito doméstico e externo, angariando apoio na sociedade para a execução do golpe político de estado cívico-militar de 2013.
Não poderia deixar de fazer uma analogia da situação política do Egito com a situação brasileira, que vive na corda bamba com sua frágil democracia. Após ser vítima de um golpe cívico-militar em 64, que mergulhou o país no atraso por mais de duas décadas, o Brasil revive esse pesadelo no golpe parlamentar-judicial de 2016, que depôs de forma irregular uma presidente legitimamente eleita, e que agora está às voltas com novas ameaças desse tipo, representada pela obscura chapa militar Bolsonaro-Mourão, que já vêm dando claras indicações de que não aceitarão a derrota eleitoral que se prenuncia no pleito de outubro. Assim como no Egito, interesses de castas internas articulados com interesses externos, principalmente norte-americanos, colocarão em prática todo tipo de manobras subterrâneas para impedir que o Brasil seja um país de democracia plena, onde os direitos civis e políticos sejam respeitados, sem quebra da normalidade democrática.
Ao final, o que se percebe é que governos com essas feições, ditatoriais, militares, sem eleições livres, onde não existe respeito aos direitos civis e políticos, são governos fracos, corruptos e subalternos, que não defendem os interesses do povo e do país e que, em geral, são alçados ao poder contra a vontade popular, na maioria da vezes fruto de armações e farsas políticas, como foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que foi substituída pelo usurpador Michel Temer. Um dos objetivos deste texto é demonstrar que em países com democracia madura e povo amadurecido politicamente não vigoram governos desse tipo. Em geral, são governos que vigoram em países com grave déficit democrático e civilizatório. Se quisermos que o Brasil saia definitivamente dessa condição de país subdesenvolvido e subalterno aos interesses externos, o melhor que cada um pode fazer é defender com todas as forças o vigor da democracia contra ambições e ameaças golpistas, fascistas e militares, que cresceram assustadoramente no Brasil nos últimos anos.

Jovino Pereira da Fonseca Neto é Engenheiro Agrônomo (UFV), Bacharel em Relações Internacionais (UFBA). Possui mestrado em Segurança Internacional e Estudos da Paz pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/Portugal. Ocupou o cargo público de Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura em 2002/2003 e desde 2003 é Perito Criminal da Polícia Federal.








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